"Há alguma coisa que eu possa fazer por você, querida?"

Eu estive andando o mesmo caminho que sempre andei
Sentindo falta das fendas no pavimento
E quebrando o meu salto e machucando meus pés
"Há alguma coisa que eu possa fazer por você, querida?
Há alguém para quem eu possa ligar?"
"Não e obrigada, por favor, madame
Não estou perdida, só vagando"
Adele

As vezes acredito que a minha vida seja nada mais que um fluxograma
Acordar
Comer
Limpar
Organizar
Comer
Dormir
Estudar/trabalhar
Cozinhar de novo
Estudar/trabalhar
Dormir

Nesse ritmo vivi todos os dias de 2015. Noventa por cento deles carreguei olheiras, lágrimas, o peso da perda como um todo.
Não vivi  este ano, de tantas crises mundiais...Eu vive meu próprio inferno.
As vezes quase que rotineiramente ouço das pessoas o quanto elas me consideram uma pessoa forte, por ter segurado tudo ao meu redor. Imaginando a cena, eu sou o garçom segurando aquela forma lotada de pratos mesmo depois de escorregar, alguns caem e se quebram. Mas permaneço com a grande parte desses pratos ileso.Porém, meu tornozelo dói com o esforço.
Não sou forte. Disfarço bem. Racionalizo.
Minha profissão me ajudou e muito a entender a morte, sua ritualística e a maneira como a sociedade a trata, em todo o decorrer do tempo. Da naturalidade ao desejo de evitá-la ao máximo em dias atuais, e até de não aceitá-la.
Eu entendo cientificamente o comportamento humano em relação a isso. Portanto, eu só sinto saudades, portanto eu só sinto um oco incurável, que não, nem o tempo vai curar.
Eu ouço no meu pé do ouvido todas as vezes que eu penso em me deixar levar pelo desespero, eu ouço ela me falar da sua adoração pelo meu trabalho, pelo seu orgulho em ter em mim parte de seus sonhos personificados.
E eu penso que era isso que ela gostaria que eu fizesse, que eu fosse talvez forte, para lidar de forma mais natural possível com algo que nos é inerente, a morte.
Eu sei que ela desejou a mim a vida, plena. A vida.
Serei teimosa como ela foi diante de todas as adversidades que teve que enfrentar desde sua infância já doente. Serei teimosa em fazer tudo aquilo que o mundo me disse que não poderia.
Serei feliz, mesmo que os dias me forcem a crer nessa impossibilidade.
Serei teimosa, forte, e sábia como ela foi, até minha morte.

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