Eu vivo num iceberg

Não sei onde me perdi de meu pai
Se foi quando ele me proibiu de empinar pipa, "por que era coisa de menino e eu deveria ir para dentro de casa brincar de boneca", agindo como sempre de forma ríspida e grossa com uma criança de 8 anos.
Se foi quando ele me julgou vagabunda quando eu quis romper com o ciclo vicioso de menina pobre e resolvi estudar, resolvi mudar o destino que ele talvez teria me traçado. Ele não acreditava na minha capacidade e isso feriu.

Meu pai só me disse que sentiu saudades minhas umas vez na vida, quando eu no momento mais corajoso de minha vida juntei o que tinha num saco plástico e fui para uma pensão fétida e com pessoas de má conduta em Curitiba, numa madrugada dessas aí, eu só tinha 19 anos, ele sequer se levantou da cama para me dizer tchau. Isso também feriu. Em uma semana recebi uma mensagem me mandando voltar, sequer me dei ao trabalho de responder.

Não fui parabenizada pelo vestibular, ao contrário ele queria saber quanto iria ter que pagar, porque ele não iria pagar nada.
De fato, pouco ou quase nada me auxiliou em 4 anos morando fora. Não devo nada a ele sobre minha vida acadêmica. Isso também feriu.

Quando voltei para cá, para casa, foi muito mais difícil do que aquela madrugada de janeiro de 2008 quando saí sem nenhum apoio. Voltar foi um derrota monumental para mim. Voltei e engoli a dor de estar longe dos que aprendi a amar, longe da vida que eu tinha construído.

Desde que mamãe se foi, eu vivo dentro de um iceberg.
Nunca recebi um abraço de consolo nos dias de desespero no meu luto.
Raríssimas vezes o vi tocar no nome de mamãe.
Não nos falamos.

Me sinto uma doméstica, lavo, passo, cozinho.
Ele se serve, apenas.

Perdi meu emprego,
Não tive uma palavra de apoio.
Consegui um emprego.
Não recebi parabéns

Tive problemas na pós-graduação
Ele sequer sabe o que eu faço na pós graduação
Até o padeiro me pergunta como vai a pesquisa
Meu pai, não.

Essa relação de não relação é muito maluca
É destrutiva pra mim
Eu vivo num iceberg com meu próprio pai.

Não sei porque escrevi sobre todas essas coisas aqui
Eu escrevo porque elas precisam sair de mim de alguma maneira
Eu só quero encontrar o que as pessoas já veêm
Minha dificuldade em falar sobre meu núcleo familiar
Em me relacionar
Minha dificuldade em acreditar em "família com pai e mãe"

Eu fico perdida num quarto almofadado
Tentando achar a saída pra tal situação
E a saída vista até o momento é de fato sair

Provavelmente vai ser como já foi
Nem sequer vai acordar pra me ver sair
Ou ajudar a carregar uma mala

É uma pena terrível viver com um estranho,
irreconhecível elemento pai
dentro de sua casa
dentro de onde você busca reconforto e esperança.
Eu vivo num bloco de gelo
Não tem amor aqui
Só tem a solidão.

Comentários

  1. Por muito tempo tive esse sentimento. Esperava muito de quem não tinha nada a oferecer. Não entendia o porquê apenas seguia em frente.a única diferença é que não precisei compartilhar o mesmo lar...

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